Elvira Raulino: uma mulher à frente de seu tempo

Elvira foi de tudo um pouco (e quase sempre uma mulher pioneira): jornalista no rádio, imprensa escrita e televisão, jogadora de futebol, organizadora de eventos, incentivadora do Turismo Piauiense, incentivadora da arte e cultura piauiense, política, empresária, empregada, jurada do programa do Chacrinha, filha, irmã, mãe e avó,foi uma das primeiras mulheres piauienses a usar biquini e até chegou a ser investigada pelos serviços de inteligência da ditadura militar... Em Altos é sempre lembrada em 21 de setembro, data de seu aniversário quando festejava com os altoenses no memorável show da rádio... conheça um pouco da trajetória dessa diva altoense (embora nascida em Teresina)!

Elvira Raulino: uma mulher à frente de seu tempo

Elvira Mendes Raulino de Oliveira nasceu em Teresina no dia 21 de setembro de 1946, dia consagrado ao radialista. Filha de Mário Raulino, nascido em Altos, e de Maria José da Purificação Mendes Raulino, nascida em José de Freitas. Em Teresina, Elvira nasceu em uma casa situada na antiga rua Santo Antônio, hoje chamada Rua Olavo Bilac, mais precisamente no dia 21 de setembro de 1946. O fato de ter nascido em Teresina não é que seus pais morassem lá. Na verdade seu nascimento era aguardado para o mês de outubro, e como seus pais não esperavam que nascesse naquele dia, resolveram ir a Teresina, e, por um acaso, veio a nascer na capital piauiense.

O pai, um dos nomes que despontavam como liderança política em Altos, era da UDN – União Democrática Nacional. Participou de incontáveis campanhas políticas ao lado de Eurípides de Aguiar, José Cândido Ferraz, Mathias Olímpio, Antônio Maria Correia, Arimatheá Tito, Simplício Mendes e Esmaragdo de Freitas em oposição ao Interventor Leônidas Melo, e ao ditador Getúlio Vargas, no País, que, na época, era apoiado em Altos pela Família Barbosa, rival política dos Raulino nesses tempos antigos. Chegou a ser deputado estadual entre 1947 e 1951.

Os irmãos de Elvira são: Felipe José, o Felipão (ex-prefeito de Altos); José Raulino (que foi para o exército e depois se reformou como coronel); Francisco (funcionário aposentado da 26ª CSM); Teresa; Honorina e Mário Filho (médico, professor da Universidade Federal do Piauí, fazendeiro e ex-secretário de Saúde de Altos).

Todavia, apesar de nascida em Teresina, foi em Altos e no Morro da Arara (antes parte do Municípío de Altos, hoje pertencente ao Município de Coivaras) que viveu muitos momentos de sua infância, brincando no meio dos matos, porque a sua mãe fazia questão de estar ao lado do marido em todos os momentos, inclusive acompanhando-o em suas visitas a passeio ou a serviços pelas fazendas de sua propriedade, principalmente a do Morro da Arara, onde a menina Elvira passava a maior parte do tempo do seu período de férias escolares, de novembro até a metade de março e, em outro momento, durante todo o mês de julho.

No resto do tempo, vivia mais em Altos, nas áreas urbanas, eis que a escola exigia sua presença cotidiana quase que diariamente. Nessa época, teve um contato muito grande com as atividades rurais, a ponto de aprender a tirar palha de carnaúba (só não tirava o pó porque o pai não permitia, alegando que iria prejudicar a sua saúde), apanhar e quebrar tucum, o que, além de um prazer enorme, assegurava um dinheirinho para comprar seus brinquedos e outros desejos. Segundo as palavras da própria Elvira:

No morro da Arara eu acompanhava as pessoas pegando Tucum, tirando palha de carnaúba, só que meu pai só deixava eu tirar a pindoba, que aquela carnaúba muito alta ele tinha medo da palha cair em cima de mim e me ferir. Eu fiz tudo… Eu plantava com meu irmão Mário Raulino Filho, que é professor, e eu me lembro que até botar o feijão e o milho assim na cova eu gostava, o que eu não gostava mesmo era de ficar espantando as cavaca, que é aquele passarinho que come toda a plantação. (https://www.youtube.com/watch?v=ML99Emrvoks)

Nas horas de folga, quando estava na zona rural, ficava ouvindo aquele povo simples, bom e leal contar histórias de trancoso sobre príncipes e princesas, reis e rainhas, daí a razão dela ainda hoje ter mania por histórias assim, como anjos, reis, rainhas, príncipes, princesas, contos de fadas. Só quando ela terminou o primário, em Altos, ela partiu para estudar em Teresina, em um colégio que ficava sediado onde hoje fica o prédio da Prefeitura de Teresina.

Já vivendo em Teresina, teve seus primeiros contatos com o rádio. Como pertencia à União de Moços Católicos, um dia um funcionário que apresentava o programa TV para o Céu, da 4 UMC, na rádio Pioneira, adoeceu, e o monsenhor Raimundo Nonato Melo, que a achava muito esperta, pediu que ela o substituísse, fazendo com que ela se apaixonasse à primeira vista pelo microfone.

Tinha, então, 13 anos de idade. Depois, o saudoso professor e historiador Josias Clarence Carneiro da Silva, membro da Academia Piauiense de Letras, que morava perto da casa dela, na rua Rui Barbosa, em Teresina, teve que fazer um curso de museologia em São Paulo, e a convidou para substituí-lo no programa que fazia também na rádio Pioneira.

Como na época, a profissão não era muito recomendada para moças de família, principalmente para uma adolescente, quase criança para os padrões da época, Elvira Raulino foi obrigada a apresentar-se sob o pseudônimo de Márcia Beatriz, no programa que começava às 13 horas. Para ir para a rádio, ia disfarçada e, assim mesmo, escondida. Em 1962, trabalhou na Rádio Clube. Em 1965, atraída pelo Concurso de Miss Brasil, então organizado no Piauí pela Rádio Difusora de Teresina, Elvira Raulino ingressou na emissora associada, onde permaneceu até 1967, ano em que se transferiu para a Rádio Pioneira.

Foi na época em que Elvira Raulino esteve trabalhando na Rádio Difusora que ela se mostrou uma mulher à frente do seu tempo também na área esportiva. É que naqueles idos, lá pelo começo dos anos 60, futebol era coisa de homem. À mulher cabiam os papéis domésticos quando adulta, e antes disso a preparação para assumir esse papel. É nessa época em que a mulher era forçada pelas normas legais e sociais a se mostrar submissa e recatada, em nome da “moral e dos bons costumes”, que Elvira figurou como capitã do que se pode dizer talvez que tenha sido o primeiro time de futebol feminino do Piauí: o Primavera, nascido no início dos anos 60.

Vale ressaltar, ainda, que na época vigorava o Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1941, criado por Getúlio Vargas na época do Estado Novo e que ficou em vigor até o ano de 1979. Referido dispositivo legal trazia em seu art. 54 uma redação que, por conta de sua interpretação à época, proibia que as mulheres praticassem o esporte do futebol:

Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompativeis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.

Entre os argumentos aos quais as autoridades recorriam para proibir o futebol feminino, estava o de que a violência dentro dos gramados prejudicaria a maior missão delas na sociedade — ser mães. Uma cotovelada no seio, diziam, poderia impedi-las de amamentar. Uma bolada na região do útero poderia retirar-lhes a capacidade de gerar filhos. Afirmava-se que o corpo das mulheres era delicado demais para o esporte e que, por isso, aquelas que entrassem nesse mundo ficariam masculinizadas no corpo e no comportamento. Também se dizia que as jogadas desleais e os xingamentos em campo levariam à degeneração moral do “sexo frágil”, que perderia a capacidade ser boa esposa, mãe e dona de casa. Para os inimigos do futebol feminino, era inaceitável que as mulheres trocassem o lar pelo gramado.

Heloísa Helena Marques, uma das mulheres que, em 1958, integrou o Araguari Atlético Clube, de Minas Gerais e primeiro time de futebol feminino registrado no Brasil, disse em entrevista à ESPN que “As pessoas falavam que era um absurdo, que não era esporte de mulher, era esporte de homem, selvagem, que ia machucar e que a gente ia ter problemas futuramente em ser mães e ser qualquer coisa, porque as bolas iriam nos machucar”. (https://www.espn.com.br/futebol/copa-do-mundo/artigo/_/id/12362308/pioneira-do-futebol-feminino-no-brasil-se-emociona-com-selecao)

Ora, no Piauí as coisas não eram tão diferentes. O que ocorre é que apesar da proibição prevista no Decreto Varguista, ele não proibia expressamente a prática do futebol feminino, e, por isso, o texto estava sujeito a interpretações diversas, até porque não havia qualquer regulamentação por parte do CND, de modo que algumas mulheres, como o time do Primavera na capital piauiense, teimavam em organizar times de futebol feminino, apesar de muitas vezes alguns interpretes da lei proibirem a realização do jogo. Tentavam assim ocupar o espaço, aproveitando-se da omissão normativa para “driblar” também as autoridades e, com isso, poder mostrar que não eram tão frágeis quanto os homens diziam que eram, bem como que podiam ser tão capazes quanto eles.

Como muitas mulheres insistiam em ignorar a proibição implícita, ou interpretavam de forma diferente da que entendiam alguns agentes estatais, o CND decidiu tornar tudo mais claro proibindo expressamente a prática. Isso se deu em 1965, no início do regime militar, quando o órgão baixou uma norma enumerando os esportes incompatíveis com a condição feminina. Além do futebol, elas ficaram expressamente proibidas de praticar futsal, futebol de praia, polo aquático, rúgbi, beisebol, halterofilismo e qualquer tipo de luta.

Todavia, o fato é que, ainda, antes da proibição expressa, em 1960, entrava em campo o time de futebol feminino “Primavera”, um time formado por Carlos Said, responsável pela primeira transmissão radiofônica esportiva do Piauí. O time do Primavera tinha como capitã a jovem Elvira Raulino.

“Mulher não pode jogar futebol, não tem uniforme apropriado. Era isso que falavam. Mas a teimosia era intensa e formei uma equipe de futebol no Piauí chamada Primavera. Isso nos anos 60 e no time figurava a Elvira Raulino. Lembro perfeitamente. Ela participava das jogadas, era capitã da equipe. O Primavera era um time ligado às emissoras de rádio. Ela já participava da rádio Difusora, a primeira emissora de rádio em Teresina. Elvira tinha um programa social e inseria notas esportivas porque jogava futebol e tinha como escrever. Tempo bom. Mas, infelizmente diziam: isso é coisa para macho. Que tristeza. A mulher tem que ser inserida nesse contexto. Dou valor a mulher comentarista de futebol. Espero que continuem reconhecendo a mulher no futebol amador e profissional do Piauí.” (CARLOS SAID, 2023)

Em 1960, questionada porque jogava futebol, Elvira Raulino, respondeu: “Porque uma mulher pode fazer tudo, e, às vezes, muito melhor que o homem faz”. De acordo com Carlos Alberto Dias no livro "Capitão Francisco Raulino: um homem e sua história",

Os jogos, em Teresina, se davam no Lindolfo Monteiro, à noite. O técnico era o professor Carlos Said. O patrono o desembargador Edgar Nogueira. Um dos patrocinadores fortes era o empresário Aerton Fernandes, proprietário, na época, da EduLar, uma das maiores lojas de eletrodomésticos do Estado. Aerton Fernandes, sempre que podia, viajava com o time pelo interior. Um dos mais entusiasmados era o advogado Wolmar Miranda, filho do coronel Octávio Miranda, do jornal O Dia.

O time, em tempos tão opressores à mulher, não durou muito, razão pela qual Elvira seguiu na carreira de jornalista / radialista. A carreira de desportista tinha ficado para trás por conta da proibição expressa a partir de 1965. Em 1968, depois de sair da Rádio Pioneira, voltou para a TV Rádio Clube, apresentando, de Segunda a Sábado, sempre às 13 horas, o seu programa social no rádio. Nessa mesma época, antes da proibição expressa dos jogos de futebol femininos, Elvira disputou, ainda, memoráveis partidas pelo Altos Esporte Clube, também na década de 1960.

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Jornalista Carlos Said, fundador da imprensa esportiva do Piauí e Elvira Raulino comentando sobre futebol feminino. Fonte: Arquivo Pessoal de Carlos Said

Ainda devido ao futebol, meteu-se em uma grande confusão em Parnaíba, quando era ali Prefeito Lauro de Andrade Correia (1963-1966). Quem conta a história é também Carlos Alberto Dias:

Disputa acirrada com a seleção parnaibana de futebol. Rivalidade grande. Ganharam de 3 a 1. Na hora de sair do estádio, os parnaibanos, revoltados, atacam e agridem Elvira Raulino. O empresário Aerton Fernandes vai defendê-la e é preso, juntamente com ela, pelo comandante major Osmar, da Polícia de Parnaíba. Foram socorridos pelo prefeito Lauro de Andrade Correia que, para desagravá-los, prestou-lhe significativa homenagem em nome do povo parnaibano.

A paixão de Elvira Raulino pelo futebol era tanta, que foi nesse meio que conheceu o cearense José Ronaib Oliveira, que já jogava no futebol cearense e também jogou no Piauí, chegou a ser técnico do Flamengo, time que foi campeão estadual mais de uma vez na década de 1960, com quem contraiu união civil em 04 de abril de 1964 e teve três filhas: Beatriz (que teve os filhos Ronaib Neto e Teresa Raquel), Sanmya Beatriz (que teve os filhos Kerlynho, Maria Elvira, João Mário e João Vítor), e Mara Beatriz (que teve as filhas Linda Mara, Júlia e Gabriela).

Seu espírito questionador a tornou pioneira em outras atitudes, de modo que foi a primeira a usar maiô de duas peças, organizou a I Amostra da Moda Piauiense, comeu panelada com Torquato Neto no Mercado da Piçarra e fundou o Elvis Presley Fã Clube, com direito a carteirinha. Apaixonada por rock e Jovem Guarda, foi uma grade apoiadora de bandas locais que surgiam naquela época, como é o caso dos Brasinhas. Segundo Chico Vasconcelos, um dos integrantes, em depoimento no livro “Deus Ex Machina: Quando o rock teresinense nasceu do nada”, de Pedro Jansen, Elvira foi uma das grandes apoiadoras e incentivadoras da banda na rádio piauiense: “(…) a Elvira Raulino, que também estava começando no rádio, deu uma força muito grande pra gente, nos convidando para tocar no Jockey Clube, todas as quintas-feiras. Depois fomos convidados a tocar as manhãs de sol”.

Mas, antes disso, por volta de 1962/1963, já atuava na imprensa escrita, conseguindo o primeiro emprego n’O Compasso, do senhor Benedito Almeida. Como sempre fez amizade fácil, num instante se entrosou com a turma do jornalismo também. O colega Oswaldinho a levou para trabalhar no jornal Folha da Manhã, do Wilson Parente. Em seguida, o Volmar Miranda consegue o seu contrato para o jornal O Dia, onde, inicialmente, trabalhou por 25 anos. Também teve passagem pelo Jornal O Estado, de Hélder Feitosa, que, mais tarde, se tornaria, depois do assassinato do empresário, passou às mãos de Paulo Guimarães, que o batizaria de Meio Norte, onde Elvira também trabalhou.

Elvira Raulino montou, em Teresina, juntamente com Ronaib, em 1965, a primeira agência de publicidade, que funcionava na rua Barroso, 45, Norte, onde hoje está instalado o prédio do Irineu Fernandes. O primeiro contrato que fecharam foi com a Calçadeira Lucimar, de propriedade do coronel Diógenes. Nessa época o Ronaib estava afastado do Flamengo piauiense.

Foi ainda nos anos da década de 1960 que Elvira estreou na televisão, na TV Difusora de São Luís, com o programa semanal “Piauí de ponta à ponta”. Nessa época ainda não havia televisão no Piauí, só no Maranhão e Ceará. Era um programa diário, e enviado pela Radional da TV Difusora, em São Luís. Aqui, instalaram uma torre que captava o programa de lá. Mas, uma vez por semana, ela fazia o programa ao vivo na TV Difusora, viajando de trem, de carona, de qualquer maneira, levando sempre misses e outras personalidades de destaque do nosso Estado para conversar no programa. A TV Difusora, do Maranhão, ressalte-se foi a segunda emissora de TV de outro estado a ser captada no Piauí, por meio da retransmissão do sinal, em Timon, Maranhão, que alcançava a capital piauiense. A primeira emissora a chegar no Piauí havia sido a retransmissora da TV Ceará (da Rede Tupi) em Parnaíba, através de enlaces (links) de transmissões vindas de Fortaleza, capital do Ceará, que em pouco tempo passaram a cobrir além do limite entre Piauí e Ceará, quase todas cidades do norte e centro do Piauí. Em 1970, a capital Teresina e dezenas de municípios piauienses, inclusive Altos, acompanham a conquista do Tri do Brasil através das duas retransmissoras. No ano do tricampeonato do Brasil na Copa de 70, na cidade de Altos haviam poucos aparelhos de televisão, localizados na casa das famílias mais abastadas, que atraíam às suas janelas multidões de curiosos querendo ver as imagens transmitidas. Em razão disso, a Prefeitura de Altos, na segunda gestão de José Gil Barbosa, colocou um aparelho de TV na praça Cônego Honório, para que aqueles que não tinham TV em casa pudessem, ali, assistir a programação televisiva, incluindo a Copa do Mundo.

Elvira também tem participação na história de criação da TV Rádio Clube, no Piauí. A história da futura TV Clube de Teresina tem início em 1962, quando o engenheiro e professor Valter Alencar, então diretor da Rádio Clube (no ar desde 1960), entrou com pedido de concessão de emissora de TV, pretendendo criar uma "Universidade do Ar". No mesmo ano de 1962, por alguns meses, Elvira trabalhava pela primeira vez na Rádio Clube. Mais tarde, em 1965, atraída pelo concurso de miss que na época era realizado pela Rádio Difusora de Teresina Elvira ingressa na emissora associada, onde permanece até 1967, ano em que se transferiu para a Rádio Pioneira. Só voltaria à Rádio Clube em 1968, apresentando de segunda a sábado, sempre às 13 horas, seu programa social. Durante sua trajetória jornalística Elvira sempre manteve amizade com Valter Alencar.

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Elvira Raulino: uma jornalista mulher na imprensa piauiense dos anos 60. Fonte: Instagram da Elvira Raulino

Segundo Valter Alencar Filho, do pedido até a efetiva concessão, o pai teve dificuldades: "A concessão foi o maior sofrimento do meu pai, pois existia outra pessoa de nome Valter Alencar que era comunista e teve esse entrave. Além disso, tinham políticos que não queriam que ele tivesse essa emissora nas mãos. Meu pai lutou, foi a Brasília até que o senador Petrônio Portela resolveu o problema e conseguiu o canal". A concessão foi aprovada e publicada no Diário da União em 1965 pelo Ministério das Comunicações, como finalidade de TV comercial, com o nome de TV Rádio Clube de Teresina S/A (razão social da TV Clube).

Com a publicação da Lei 6404/66, conhecida Lei das S/A (sociedades anônimas), permitiu-se através de vendas de ações a baixo custo a um grande número de pessoas, angariar recursos suficientes para a consecução do objetivo de construir no Piauí uma estação de televisão, quando eram poucos os estados brasileiros que possuíam uma. Muitas pessoas abraçaram a idéia, inclusive Elvira, que apoiava a campanha de venda de ações para instalação da TV Rádio Clube. Essa campanha foi que permitiu a construção da sede e a compra dos primeiros equipamentos, mas, além disso, Alencar sacrificou grande parte de seu modesto patrimônio à época, deixou de lado a sua rendosa advocacia e dedicou-se quase que exclusivamente à construção do empreendimento, e se dedicou tão intensamente à causa que chegou a ter a sua saúde comprometida. Vale ressaltar que Elvira teve especial participação na concretização da TV Clube, ainda, porque o próprio terreno em que se encontram edificadas as instalações da TV Clube pertencia ao pai de Elvira e foi ela quem o convenceu, antes de falecer em 1964, a passá-lo para Walter Alencar, de modo que ali pudesse construir as instalações da futura emissora, que, na época, era chamada de colosso do Monte Castelo.

É verdade que muitos abraçaram a causa da campanha para instalação da primeira TV piauiense, tanto que Alencar chegou a reunir diversos sócios para a empreitada (e depois comprou suas ações). Mas Elvira teve ainda uma terceira participação que ajudou na efetiva instalação da TV Clube. Foi em 1971, quando o Ministro das Comunicações Hygino Caetano Corsetti visitou o Piauí. Ao lado do Dr. Alberto Silva, então governador do Estado do Piauí, ela foi visitar o Ministro. Bonita, com um corpo da chamada falsa magra, botou uma saiazinha curta e se encheu de cartazes, dando boas vindas ao visitante e solicitando o seu empenho na liberação do sinal para o canal de TV, uma vez que o prédio já estava construído e equipado com os mais modernos equipamentos para a época.

O Ministro, descrito por Elvira como “um velhinho simpático”, de imediato topou com a cara dela, e ela também com a dele. No meio de tantas conversas, onde Elvira Raulino sempre procurava agradá-lo, e de tantas correrias, o Ministro cai levando-a também na queda, rolando os dois pelo chão. Para se desculpar, o Ministro pergunta a ela qual seria o seu desejo, que ele faria tudo para realizá-lo. Não se fazendo de rogada, ela disse que queria que ele fizesse o possível para acabar com os entraves burocráticos que faltavam para a definitiva instalação da TV Rádio Clube. Assim o Ministro prometeu, assim o fez.

A primeira estação de TV no Piauí foi inaugurada no dia 3 de dezembro de 1972, com o nome TV Clube de Teresina, operando no canal 4 e prefixo ZYB-350, ocasião em que o chamado Colosso do Monte Castelo passou a denominar-se Edifício Presidente Médici, em cujo governo, através de portaria do Ministro das Comunicações, Hygino Corsetti, concretizou-se o sonho, dando início às transmissões da TV com o slogan “A Força de um Ideal”. Na TV Clube, Elvira Raulino teve programas diários, e, aos sábados, apresentava um programa show de calouros, ao tempo em que apresentava diariamente o “jornal da sociedade” na Rádio Clube, pontualmente, de segunda à sexta, ao meio dia.

Elvira, de fato, fez história na imprensa piauiense. Não é a toa que, por mais de dez anos, entre os anos setenta e oitenta, tenha atuado como jurada dos programas de calouros de Abelardo Barbosa, popularmente conhecido como Chacrinha:  “A Buzina do Chacrinha” (na TV Bandeirantes) e, depois, do “Cassino do Chacrinha” (na Rede Globo), onde por vezes o Velho Guerreiro brincava com ela: “Alô, alô Terezinha, alô Teresina, alô Elvira Raulino, minha amiga lá do Piauí. Quem quer bacalhau? Quem quer bacalhau? Você quer Elvira Raulino?”. Sua última participação se deu no penúltimo programa apresentado pelo “Velho Guerreiro”, como também era conhecido Chacrinha. Curiosamente, foi uma das escolhidas por Chacrinha, ao dizer “adeus” aos amigos mais próximos, por telefone, pouco tempo antes de sua morte em 1988.

 

 

 

Elvira Raulino em uma de suas muitas participações como jurada do Cassino do Chacrinha

Por volta de 1969, foi convidada para dar uma palestra na universidade de São Paulo, falando sobre as potencialidades do Piauí. Falou por mais de duas horas, platéia atenta, grande sucesso de público e, para sua surpresa, dois piauienses ilustres vão falar com ela, para parabenizá-la: Hugo Napoleão e Freitas Neto, que estudavam em São Paulo.

Em 1970, Elvira se candidata a vereadora de Teresina, pela Arena, obtendo, na época, 902 votos. Não consegue se eleger, mas fica como suplente de vereador. Continua engajada nas ações políticas do partido, de modo que a revista Veja nº 414, de 11 de agosto de 1976, na página 31, apresenta matéria que dá conta de Elvira como criadora e articuladora, no Piauí, da Arena Feminina, em reportagem com o seguinte teor:

PIAUÍ

Arena feminina

Elegantemente vestidas, bolsas na mão ou a tiracolo, cabelos cuidadosamente penteados, elas começaram a chegar às 4 da tarde a sede da executiva regional da Arena do Piauí — provocando um pequeno atraso de meia hora no início da reunião do novo departamento feminino do partido, idéia lançada pela cronista social e candidata a vereadora Elvira Mendes Raulino. Descontando o atraso, porém, tudo correu bem. E pelo menos nesta primeira reunião, na última quinta-feira, foi com muita seriedade que as mulheres da sociedade de Teresina encararam a ideia de sua participação política

As cinqüenta especialmente convidadas (apenas oito deixaram de comparecer) lotaram o pequeno auditório da Arena local para ouvir o discurso de Elvira Raulino, 29 anos de idade, mãe de três crianças e casada com o técnico do Flamengo, campeão estadual de futebol. Com um vestido de seda, que comprou durante uma recente excursão à Europa, Elvira Raulino foi a única a falar. Num improvisado discurso, em tom coloquial lembrou sua derrota em 1970, quando foi candidata a uma vaga na Câmara Municipal, explicando que "na época não estávamos unidas e trabalhei sozinha contra os homens"

Escrevendo a história — Ela teve palavras entusiasmadas para o partido do governo. “A Arena é o partido que esta escrevendo a história do Brasil de hoje", disse Elvira. arrancando aplausos do plenário. "Vocês devem entrar no partido para escrever história. Ja pensaram nisso?"

Seu discurso, de 20 minutos, prendeu a atenção de todas, inclusive das quatro crianças sentadas nos colos de suas avós e de dona Maria Mendes Raulino, 72 anos, a mais velha do grupo e a de maior experiência política — sua família, tradicionalmente, é vista como uma das maiores oligarquias piauienses. A única exceção foi a dentista Luiza Francisca de Brito. 30 anos de idade — “Se for para publicar são 28" —, que preferia ler uma carta do namorado. 'Sou da Arena' ela explicava, mas isso não me impede de namorar. Aliás, sinto-me melhor aqui que em qualquer chá beneficente.

A ausência mais notada foi a de dona Maria José Ferraz Arcoverde, mulher do governador Dirceu Arcoverde, impedida de comparecer por “problemas domésticos”. De qualquer forma, ficou evidente neste primeiro encontro que. em matéria de pontualidade e freqüência, as arenistas piauienses estão mais organizadas que os homens. E bem mais que os jovens, CUJO departamento vem sendo sacudido por uma série de crises e desde sua idealização ainda não conseguiu definir sua liderança.

Mais tarde, a Arena Feminina, primeira agremiação política feminina do Piauí, se converteria no Movimento Organizado Feminista – MOF.

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Elvira Raulino discursando na primeira reunião da ARENA Feminina. Fonte: Revista Veja nº 414, de 11/08/1976.

Geraldo Brito, citado por Fernando Muratori Costa em sua tese de doutorado NAS MARGENS DA MODERNIDADE: MÚSICA E PERCURSOS DE MEMÓRIA EM TERESINA (ANOS 1980), dá conta de que Elvira organizou em 1972, alguns dos primeiros festivais de Música em Teresina:

Lembro que o primeiro festival foi produzido pela jornalista Elvira Raulino em 72 na Churrascaria Beira-Rio que ficava na Av. Maranhão. O Festival da Churrascaria Beira Rio aconteceu em 72 e 73, eu participei em 1973, ano em que Francy Monte ganhou com a canção “Peixe Azul” que era dele mesmo e foi interpretada por ele e o Grupo Barras. Depois veio o primeiro Festival Universitário da Universidade Federal, dentro da semana da Jornada Universitária, que tinha várias outras atividades como jogos, palestras... Começou em 73... em 74 já aconteceu no teatro de arena, aí eu já participei e toda a nossa geração... Lázaro, Laurenice, Cruz Neto... Toda a nossa geração participou (BRITO, 2013) (p. 181).

Em 1976, no comando da ARENA Feminina, Elvira novamente se candidata pela legenda do partido a vereadora da capital do Piauí, e novamente não consegue se eleger, ficando como suplente, mas, dessa vez, consegue alcançar 1.114 votos.

Antes mesmo de organizar a ARENA Feminina, Elvira já vinha despontando como liderança, ajudando a criar organizações da sociedade civil, a exemplo da ASCROPI - Associação dos Cronistas e Colunistas Sociais do Piauí. Foi, inclusive, a primeira associação do tipo no Brasil e Elvira a presidiu por diversas vezes. E havia muita divergência política entre os associados, em uma época na qual só haviam a ARENA e o MDB como partidos políticos. Lembra ela de um episódio ocorrido certa vez, em uma das reuniões da ASCROPI, que terminou em pancadaria. Os colunistas sociais estavam em Parnaíba, na churrascaria Luar do Sertão, de propriedade do senhor João Batista, irmão da Dra. Iracema Santos Rocha, e prefeito da cidade, para eleger a nova diretoria da ASCROPI. Elvira Raulino fazia oposição à chapa situacionista, encabeçada pela Dra. Iracema Santos Rocha, e estava lá, apesar de em menor número, agitando que só. Em dado momento, conversando com o ex-governador Chagas Rodrigues, ela escuta o colunista social Rubem Freitas “meter o pau” no Dr. Alberto Silva. Sem pensar na reação, ela parte em defesa do amigo, tomando o microfone das mãos do Rubem Freitas, que revida, toma o microfone de volta e o quebra na cabeça dela. Sangrando, e agredida de todas as maneiras, ela saiu de lá, às pressas para o Hotel Piauí, acompanhada da pequena filha Mara Beatriz e conduzida por alguns amigos, dentre os quais o ainda adolescente Kenard Kruel, que ali estava fazendo parte do coral do Ginásio Clóvis Salgado, que havia sido convidado para cantar na solenidade.

O certo é que, de jornalista empregada, Elvira decide montar, no ano de 1978, em sociedade com Gervásio Araújo, o jornal Diário do Piauí, que teve vida breve. É que um dia, ao chegar na sede do jornal, encontrou a empresa em pé de guerra: o Ministro Petrônio Portella, ex-governador do Estado, havia concedido uma entrevista para o jornal, e, nela, metia o pau no Alberto Silva, que, usando de sua autoridade e influência acionou rapidamente o departamento da Polícia Federal da época, fazendo com que os proprietários do jornal fossem conduzidos à Polícia Federal.

Vale ressaltar que isso se deu na época de uma das eleições mais disputadas da história do Piauí e Alberto Silva havia concorrido, em 15 de novembro daquele ano, a uma vaga de Senador, por uma sublegenda da ARENA e apesar de ser derrotado por Dirceu Arcoverde, tornou-se primeiro suplente do vencedor conforme a legislação da época (e viria a assumir a vaga em 20 de março de 1979, dias após a morte do titular). É inegável, assim, que detinha algum poder, até porque já havia sido governador do Estado (1971-1975), e, com isso, conseguiu acionar rapidamente a Polícia Federal.

É a primeira vez que Elvira é fichada no período do regime militar. Na ocasião, segundo ela mesma, ali teve que “tirar retrato de frente, de costa, de lado, e passar, ainda, pelo constrangimento de melar os dedos na ficha criminal”, sendo, assim, indiciada em inquérito instaurado, em 20 de novembro de 1978, pela Superintendência Regional da Policia Federal no Piauí (Inq. nº 090/78-SR/DPF/PI), como incursa no artigo 347 do Código Eleitoral e artigo 5º da Resolução nº 10.445/78, do Tribunal Superior Eleitoral, por haver divulgado matéria política em jornal, contrariando aqueles dispositivos legais, o que importava, na época, em crime com pena de detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dias-multa, nos termos da Lei nº 4.737 de 15 de Julho de 1965.

Chocada com toda a violência moral que passou, principalmente porque era inocente de tudo (não assinou a reportagem mas era co-proprietária do jornal) resolve acabar com a sociedade do Diário do Piauí, dizendo que o “melhor mesmo é ser empregada, cumprir a sua tarefa, receber o seu dinheirinho no final do mês e não se preocupar com mais nada, como pagar pessoas, fornecedores, agüentar abuso das autoridades e ainda ter que responder por todas as besteiras que os cabeças de vento fazem na redação”.

Os “cabeças de vento” da redação, ressalte-se, eram pessoas que por si ajudaram a marcar a história do jornalismo piauiense, tais como Alberoni Lemos Filho, Pires de Sabóia, Menezes y Morais, William Melo Soares, Kenard Kruel, Francisco Eduardo de Moraes Lopes, Josemar Neres, dentre outros que abrilhantaram aquele jornal de curta duração, mas que formou uma das melhores escolas de jornalismo do Piauí.

Na época do Governo Helvídio Nunes (1966-1970), o primeiro governador eleito pela via indireta depois de instituído o regime militar, Elvira idealizou a primeira Associação de Turismo do Piauí. A idéia surgiu por ocasião de um convite para um Congresso de Turismo em Brasília e, como na época, havia a mentalidade de que turismo era coisa de colunista social, Elvira Raulino foi escolhida para representar o Estado. Lá, conheceu um senhor já velhinho, conhecido apenas por Jacques Perroaut, um dos nomes mais famosos do turismo no Brasil e no exterior, que deu a idéia para que ela reunisse, aqui, as pessoas mais influentes e criasse a Associação Piauiense de Turismo.

Chegando à nossa capital, convidou, de imediato, Edgar Nogueira, A. Tito Filho, Castelo Branco e criou a ASPITUR. Era o modelo que serviria de embrião à PIEMTUR (Empresa Piauiese de Turismo), criada em 1971, e cuidava do turismo e do setor privado, com a abertura de agências, hotéis, entre outros. Nessa época, o professor A. Tito Filho, que tinha um programa de maior audiência na rádio Difusora, criticou muito a “Papisa”, como ele gostava de chamar a Elvira Raulino, no começo, dizendo que ela queria fazer uma coisa que não existe e que por muito tempo não existiria no Piauí: Turismo. Depois, deu a mão à palmatória, e foi um dos maiores incentivadores da “locomotiva” Elvira Raulino, como ele passou a chamá-la. Após a criação da PIEMTUR, foi criado o CONSPITUR – Conselho de Turismo do Piauí, do qual Elvira Raulino fez parte desde os seus primórdios por ter sido a pioneira do turismo piauiense. No governo Lucídio Portela (15 de março de 1979 a 15 de março de 1983), Elvira foi convidada para presidir a PIEMTUR, sendo afastada dessa função por ocasião do governo Hugo Napoleão (que sucedeu Lucídio como o primeiro governador eleito pelo voto popular direto desde a instituição do regime militar no período de 15 de março de 1983 a 14 de maio de 1986).

Durante a sua gestão na PIEMTUR, Elvira Raulino contava com muita pouca ajuda orçamentária, de modo que o repasse que recebia da Secretaria da Fazenda, como cota mensal, pagando todas as despesas obrigacionais (água, luz, telefone, funcionários, fornecedores etc.), mas não sobrava nem para o cafezinho, muito menos se podia com isso alavancar o turismo piauiense promovendo eventos aqui e participando de atividades no Brasil e no exterior. Mas, destemida e cheia de amizades influentes, ligava para o Paulo Maluf, Amaral Culam, José Sarney, Edson Vidigal, João Claudino, J. Macêdo, pedindo dinheiro a um e a outro para tocar os seus projetos. Com a contribuição de todos, conseguiu promover uma exposição do Nonato Oliveira nos Estados Unidos, e criou o que ela chama de Febre do Turismo no Piauí, dando assistência a todas as promoções locais, nacionais e internacionais. Para se ter uma idéia do seu idealismo, e desprendimento, um dia o saudoso médico e intelectual Clidenor de Freitas Santos, membro da Academia Piauiense de Letras, faz a doação para ela de uma casa em Luiz Correia. Recebidos os papéis, transformou o lugar na Casa do Turista do Piauí. Deixou um carro zerinho para a empresa e dinheiro em caixa, o que é raro acontecer entre administradores públicos.

Em 1982, Elvira, com outras mulheres filiadas ao PDS, funda o PDS Feminino em Teresina, e se torna a primeira presidente do mesmo, justamente por ter sido a principal articuladora da iniciativa:

Numa iniciativa pioneira, foi realizado anteontem à noite, no auditório Herbert Parentes Fortes, a primeira reunião do PDS feminino, para a escolha da comissão de 11 participantes que irão compor a diretoria provisória da ala feminina do partido no Estado. Nesta reunião também se fez presente o líder do PDS no Piauí, Deputado Sebastião Leal.

A reunião foi programada pela cronista social Elvira Raulino, e considerando-se que não houve muita divulgação em torno desta, até que compareceu um expressivo número de simpatizantes pedessistas que chegaram quase a lotar o auditório, embora com meia hora de atraso. No início foi lido o programa do partido, publicado num folheto que foi distribuído para todas presentes. Logo a seguir, a organizadora da reunião resumiu em breves palavras os princípios políticos a que se propõe o partido, ressaltando a importância e a necessidade da mulher se infiltrar no destino político do país e transformar aquilo que por enquanto está só na teoria. (O Dia, 1982: 14 jan. p.8).


Dando prosseguimento às atividades de concretização do PDS feminino, ocorreu na noite de anteontem, na residência da colunista social Elvira Raulino, uma reunião para definir os cargos e respectivos ocupantes provisórios.

Para presidente foi escolhida Elvira Raulino; vice-presidente, Dulcinéia Leal; secretária-geral a ex-deputada Josefina Ferreira Costa e para Tesouraria, Luzia Brito.

Uma das propostas do PDS feminino é a de fortalecer o partido, „especificar para o povo o que é o partido‟, como afirmou Consolação Teixeira, militante da ala feminina. O PDS feminino tem outras idéias, como a de desenvolver um trabalho de assistência social nos bairros e no interior.

As feministas‟ do PDS teceram opiniões sobre alguns temas que hoje estão em debate constante na problemática brasileira. O feminismo, o aborto e as eleições. O feminismo para as pedessistas é apenas uma questão de como a mulher deve atuar dentro da sociedade. “Não queremos ser confundidas com as feministas‟, como afirmou a ex-deputada Josefina Ferreira Costa “não sou feminista, sou feminina‟. (...). (O Dia, 1982, 15 jan. p.3).

Uma característica importante entre as organizadoras do partido era deixar claro que não eram feministas, embora defendessem direitos à mulher, pois não tinham simpatia pelo movimento e nem tinham com ele qualquer aproximação ideológica, eis que acreditava que referido movimento demonizava os homens, e, por isso, Elvira apenas defendia direitos e protagonismo à mulher, em pé de igualdade com os homens, sem atacá-los. Em agosto de 1982, foi promovido pelo PDS feminino o I Encontro Nacional da Mulher Pedessista, tendo como uma das organizadoras a senadora Eunice Michiles, do PDS-AM. Participaram 420 mulheres de vários Estados do Brasil, incluindo o Piauí, que tinha como presidente da ala feminina piauiense a jornalista Elvira Raulino.

No Piauí e no Brasil, os partidos políticos ainda estavam se ajustando às novas propostas, ao fim do bipartidarismo e o surgimento de outros partidos e à forma como era abordado o tema mulheres. Assim, quando as propostas se direcionavam para um mesmo assunto, ocorriam disputas, como, por exemplo, ao se tratar da emancipação feminina, do divórcio, do aborto, métodos anticoncepcionais, filhos havidos fora do casamento, etc. Com o tempo, o PDS Feminino, sempre capitaneado por Elvira Raulino, se firmou com o nome de MDS (Movimento Mulher Democrática Social), um partido feminino formado dentro do PDS. Só bem depois é que o PT viria a criar uma ala feminina no Piauí.

O movimento da Mulher Democrática Social, MDS, vem atuando há muito tempo, com os mesmos objetivos da antiga ARENA Feminina. Nós sempre mostramos o que somos. Uma ala feminina do partido da maioria. Dentro do contexto político a que propomos, nunca enganamos ninguém, lutamos pela valorização da mulher, em todos os níveis e seu ingresso na política. Nunca levantamos bandeira. Levantamos, sim, a bandeira do direito de termos o nosso espaço na política, na luta pelo desenvolvimento do Brasil, etc. Agora vem o Núcleo das mulheres do Partido dos Trabalhadores com uma assembléia da Mulher, “hoje, de quinze às dezenove horas, no Auditório Herbert Parentes Fortes, com o grito de guerra ‘abaixo o machismo’‟. E esse núcleo está envolvendo com sua “pílula dourada‟ outros segmentos representativos das mulheres piauienses, desvirtuando os reais objetivos do movimento de emancipação da mulher. É um movimento radical. Não é “derrubando o homem‟ que a mulher pode ser feliz. Um precisa do outro. Deus sabe o que faz. Se ele fez a mulher da costela de Adão, foi para que os dois vivessem unidos e felizes. O nosso MDS luta pela valorização da mulher. “Aí é que está a diferença do núcleo do PT‟. (O Dia, 1984: 11/ 12 mar. p. 8).

Em dezembro de 1983, Elvira fica novamente na mira do regime militar. Em pesquisa aos arquivos da ditadura militar disponibilizados há alguns anos na internet pelo Governo Federal, verificamos o pedido de buscas nº 142/16/AC/83, formulado pela Agência Central do Serviço Nacional de Informações – SNI, donde se verifica o seguinte teor:

(...)

DADOS CONHECIDOS

a. A jornalista em questão, no dia 07 Set 83, momentos antes do início da Parada Cívico-Militar, na capital piauiense, entrevistada por um repórter da Rádio Clube de Terezina, declarou o seguinte:

- “Em 7 de setembro de 1822 apareceu D. Pedro I para libertar o BRASIL de PORTUGAL. Nunca o país esteve tão escravizado como está agora. É o Fundo Monetário Internacional (FMI), centenas de bancos. Temos é que rezar para que apareça um outro D. Pedro I”…

b. A nominada é filha de MÁRIO RAULINO e de MARIA DA PURIFICAÇÃO MENDES RAULINO, nascida em 21 Set 46, na cidade de TEREZINA, sendo, atualmente, cronista social do jornal “O Dia” e da Televisão Rádio Clube de Terezina.

c. No campo político, é presidente da Ala Feminina do Partido Democrático Social, em cuja proposta de criação inclui o desenvolvimento de um trabalho de assistência social nos bairros da capital e no interior do Estado.

DADOS SOLICITADOS

1. Confirmar a ocorrência relatada na letra “a” dos dados conhecidos;

2. Motivos pessoais prováveis de ter assumido posição contrária ao Governo Federal; e

3. Outros dados julgados úteis.

O documento, na época classificado como confidencial, assim, pedia investigação sobre a posição política de Elvira e as razões de sua fala em oposição ao regime, o que parecia estranho eis que era militante de partido político favorável ao regime militar. Foi respondido em 28 de dezembro de 1983, através do Informe nº 262/16/AFZ/83, da Agência Regional da Presidência da República em Fortaleza, Ceará, donde se lê ainda o seguinte:

1. Esta AR confirma o teor das palavras da jornalista ELVIRA RAULINO, quando entrevistada por um repórter da Rádio Clube de Teresina, no dia 07 SET 83.

A atitude da nominada, no entanto, pode ser tida como um fato isolado, decorrente de seu temperamento agressivo, vez que antes da entrevista em apreço, a mesma envolveu-se em pequeno atrito com os responsáveis pela organização da Parada Cívico-Militar alusiva à Independência da Pátria.

Outro fato que se considera tenha concorrido para o desgaste pessoal da nominada foi a sua destituição do cargo de Presidente da Empresa Piauiense de Turismo (PIEMTUR), no início do atual governo de HUGO NAPOLEÃO.

2. Além de temperamental, a nominada é tida como oportunista, sem atributos morais, chantagista, sendo ainda reputada como “prostituta social”. É bastante cortejada pela “soçaite” piauiense graças a sua condição de colunista social da imprensa local (rádio, jornal e televisão).

3. No campo político, a nominada se destaca como Presidente do Movimento Feminino do PDS/PI e como suplente do Diretório Regional/PI do mencionado partido e se diz “grande amiga” do Deputado Federal PDS/SP PAULO SALIM MALUF, de quem já recebeu favores materiais e a condecoração com a Medalha da Ordem do Ipiranga.

O fato de Elvira ser filiada em partido favorável ao regime militar, e, inclusive, ter amigos de grande influência política no governo federal, talvez tenha ajudado com que ela não se visse indiciada uma segunda vez pelo regime militar, que, nessa época, já estava perdendo suas forças e o apoio popular. Naquele tempo, o povo saía às ruas pedindo “Diretas Já”, ou seja, eleições diretas para presidente, e estava em andamento o processo de abertura política, inclusive com a anistia de presos e exilados políticos. Se tivesse falado uma coisa dessas em momento de repressão mais dura, mesmo com os amigos poderosos e influentes que tinha, certeza que poderia ter se visto indiciada em Inquérito Policial Militar.

O movimento das Diretas Já não conseguiu a aprovação da Emenda Dante de Oliveira (Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 05/1983) em abril de 1984, sendo derrotada na Câmara, mas em 1985, depois de 21 anos de governo Militar, a chapa Tancredo Neves (presidente) e José Sarney (vice-presidente) vence o que seriam as últimas eleições indiretas para presidente da república, colocando um civil na presidência depois de mais de 20 anos de presidentes militares, em chapa de candidatos de partido de oposição ao regime militar. Todavia, Tancredo é internado no hospital no dia 14 de março de 1985, um dia antes da posse, com fortes e repetidas dores abdominais. José Sarney assumiu a Presidência em 15 de março de 1985, jurando a Constituição de 1967, no Congresso Nacional, aguardando o restabelecimento de Tancredo, mas Tancredo falece em 21 de abril de 1985, de modo que Sarney se torna oficialmente Presidente.

As amizades influentes e sua própria trajetória na imprensa piauiense, com projeção nacional, fariam com que viesse a ganhar de Sarney a concessão da rádio São José dos Altos. José Sarney era natural do vizinho estado do Maranhão e há muito tempo conhecia Elvira Raulino, de modo que a jornalista viu nisso uma oportunidade para obter uma concessão de rádio para a cidade de Altos, Piauí, o que disputou com a Família Barbosa, que era rival política da Família Raulino na cidade de Altos. Segundo Toni Rodrigues, no vídeo “Elvira Raulino e os bastidores da criação da Rádio São José dos Altos”,

(…) Nos anos 80 os dois únicos grupos políticos aqui do Município de Altos comandados pelas famílias Raulino e Barbosa disputavam a concessão de uma emissora de rádio junto primeiramente ao governo do então presidente João Batista Figueiredo ainda nos estertores do regime militar. Em seguida, junto ao governo da nova República do Presidente José Sarney que governou o país entre 1985 e 1990. A jornalista Elvira Raulino era muito ligada ao então Presidente José Sarney, era amiga do Sarney, inclusive o nome do estúdio da Rádio São José dos Altos era estúdio José Sarney e ela tinha uma popularidade muito grande. Como eu disse, ela participava frequentemente do programa do Chacrinha na rede globo de televisão e se tornou uma das jornalistas mais conhecidas do Estado do Piauí fora do Piauí, ou seja, em nível nacional. Tinha amizade com o Chacrinha, com grandes personalidades… Do outro lado, a família Barbosa também disputava a concessão. Do outro lado, a Família Barbosa também disputava a concessão da emissora de rádio, tinha presença política no município, vários mandatos na prefeitura através do Dr. José Gil Barbosa, do Maninho Barbosa, e outros prefeitos que foram colocados através da liderança política da Família Barbosa e também eles tinham uma projeção em nível de Estado com deputados estaduais Antonio dos Santos Rocha, o próprio Zè Gil Barbosa que além de deputado foi prefeito três vezes, também vereador aqui no município de Altos. Era uma disputa política de muita magnitude. Em nível nacional, eles contavam, os Barbosa, com o apoio do então deputado federal Heráclito Fortes e a família Raulino também tinha um deputado federal que era o doutor Ludgero Raulino, primo da Elvira Raulino, e aí ambos haviam apresentado propostas ao Congresso Nacional para a concessão de uma emissora de rádio aqui para Altos. A família Barbosa, inclusive, já tinha, inclusive, o nome da rádio que era rádio Surubim, homenagem ao rio que nasce aqui (…). A Elvira Raulino, imediatamente, criou a rádio São José dos Altos. Depois dessa criação e da divulgação dessa disputa, ela entendeu que o negócio tava demorando demais exatamente por conta desse acirramento entre as duas famílias, desse acirramento que chegou inclusive ao Congresso Nacional e à Presidência da República. Ela aproveitou a oportunidade que o Sarney estava numa visita, num determinado evento da Presidência da República, e foi até ele pessoalmente levando os documentos da concessão da Rádio São José dos Altos e olhando no olho do presidente, pediu a ele que fizesse a assinatura da concessão naquele momento, colocasse a sua assinatura garantindo que iria fazer a concessão da rádio. Depois ela se aliou a dois empresários, Welder Barreto, do Grupo Asa Norte, que trabalhava com distribuição de bebidas e o Grupo Luciano Gondim, que também era empresário em Teresina. E aí eles criaram a estrutura para colocar em funcionamento, naquele dia 21 de setembro de 1987, a Rádio São José dos Altos, maior sonho da Elvira, mas cuja realização foi muito mais importante aqui para Altos e para a nossa região norte. (…) (https://www.youtube.com/watch?v=fooeYDg2uIs)

 

No vídeo fotos das duas sedes da Rádio São José dos Altos e, ainda, um pouco do que era a programação da rádio na época

Havia, enfim, Elvira vencido a luta pela concessão da primeira rádio para a cidade de Altos, derrotando o grupo político da Família Barbosa, que, na época, comandava o Município através do Prefeito José Gil Barbosa. A frequência originou-se no dial AM, quando a 950 kHz inicia suas transmissões experimentais em 22 de agosto de 1987. A Rádio São José dos Altos, que já tinha aberto o seu CNPJ em 13/03/1986, é inaugurada oficialmente em 21 de setembro de 1987, dia do aniversário de sua fundadora, a jornalista Elvira Raulino. A data é marcada com uma grande festa, iniciando-se com missa em ação de graças na Igreja da Matriz e à noite um grande show no calçadão da Praça Cônego Honório, tendo como atrações musicais os Geniais de Amarante, Genival Lacerda, Márcia Ferreira, Raione Cavalcante, André Leone, José Orlando, Lena Rios, Sidney Magal, José Augusto e Eliane.

Uma história à parte é a história de como Elvira batizou a cidade de Altos de capital da manga, o que ocorreu por ocasião do momento em que buscava patrocínio para o grande show de inauguração da Rádio São José dos Altos. Em outro vídeo, Toni Rodrigues explica a história por trás do apelido que até hoje identifica o município dos ancestrais de Elvira:

Desde 1987 a cidade é conhecida como capital da manga. O apelido deve-se à jornalista Elvira Raulino, quando criou a Rádio São José dos Altos. Na época ela precisava de patrocínios para a grande festa de inauguração, em 21 de setembro daquele ano, contando com a participação de dezenas de artistas nacionais: Rosana, Sidney Magal, José Augusto, Marquinhos Moura, Alípio Martins e muitos outros. Elvira procurou o apoio de uma famosa cervejaria nacional, que disse não poder ajudar porque somente patrocinava festas em capitais. No seu requerimento Elvira escreveu “Altos capital da manga” e logicamente que a empresa atendeu e contribuiu para a realização do grande e inesquecível evento. (https://www.youtube.com/watch?v=C2_6KAwVJec)

 

Desde sua inauguração, a Rádio São José dos Altos tinha caráter popular e fez história na região. No dia 15 de abril de 1988 é levado ao ar o primeiro Jornal da São José, com apresentação de Toni Rodrigues, reconhecido por seu tema de abertura ("Caminhoneiro", de Roberto Carlos), iniciando sempre ao meio-dia. Toni já trabalhava na rádio, primeiramente como disc jockey, apresentando programas musicais, e depois se tornou ancora do jornal da emissora. Outras músicas que marcaram a programação foram "Brasileirinho" de Waldir Azevedo (sempre ao iniciar a programação diária era a primeira a tocar) e "Meu Bom José" (versão em português da música "Joseph", do compositor francês, nascido na Grécia, George Moustaki), na voz de Rita Lee, a última música a tocar sempre que a rádio encerrava sua programação diária, saindo do ar. Era também tradição da emissora a realização de uma grande festa em comemoração a seu aniversário, sempre na Praça Cônego Honório, trazendo artistas nacionais e regionais, em 21 de setembro de cada ano.

No interior da emissora, havia, bem na recepção, um quadro com um retrato de Sarney e inscrições em que Elvira lhe agradecia pela concessão da rádio São José dos Altos, bem como informava que por isso resolvera batizar o estúdio da emissora com o nome de José Sarney. A emissora fica no ar até 2013, ano em que também foi realizado em Altos o último show da Rádio São José, saindo do ar para ficar na história dos altoenses.

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Na imagem Elvira, familiares e alguns funcionários da antiga Rádio São José dos Altos em confraternização.

Eu, pessoalmente, gostaria de deixar aqui um registro do quanto a Rádio São José é para mim uma lembrança que faz parte da minha história e da minha formação pessoal. Quando a rádio entrou no ar, ainda em caráter experimental, Elvira, desejando testar a integração do telefone recém-instalado da emissora, depois de divulgar o número de contato no ar, disse no micronfone da emissora que o primeiro ouvinte que ligasse para a rádio para pedir uma música iria ganhar um brinde. Eu, ainda criança, que estava ouvindo a rádio recém-instalada na calçada da casa de meu avô (que ficava no mesmo quarteirão da sede da emissora), de pronto liguei e pedi uma música do Trem da Alegria (ou seria Balão Mágico?... não me lembro) e por conta disso, dias depois, ganhei um carrinho de brinquedo da Elvira Raulino como brinde por ter sido o primeiro ouvinte a pedir uma música na Rádio São José. Depois, por morar bem pertinho, ao menos na minha infância, eu virei frequentador assíduo da rádio e conhecia todos os seus funcionários. Quantas vezes  não fiquei no estúdio da emissora durante a apresentação dos programas de rádio? Já sabia que quando acendia uma pequena luz vermelha no estúdio, eu não podia falar nada pra minha voz não sair no ar. Ali testemunhei o desenrolar dos primeiros anos da emissora. Nas horas vagas eu gostava muito de estar ali, pois sempre ganhava uns gibis do Toni Rodrigues e do Leonardo, que me davam suas revistinhas depois de ler. Vi a rádio trazer ano a ano vários nomes da música nacional no show da rádio, e integrar artistas regionais, muitos deles de Altos, nesse mesmo show, para divulgá-los ao grande público, inclusive de outras cidades, que comparecia à festa a cada 21 de setembro. Isso para não falar na memória afetiva comum a todos os altoenses. De manhãzinha bem cedo, depois de tocar "brasileirinho" começava o programa do seu Mané. Meio-dia quando tocava "Caminhoneiro" eu já sabia que era hora de tomar banho pra ir ao colégio. E quantas vezes não fui dormir ao som de "Meu bom José", de Rita Lee? São tantas as lembranças desse tempo, memórias que nem são só minhas, mas de todos os altoenses que viveram aquela época, cada um com sua história particular para contar. 

Mas, voltando à história de Elvira, ainda em 1987, quando o Brasil já caminhava para a redemocratização, Elvira é mais uma vez mencionada por documentos confidenciais da inteligência do governo na ACE 003948/87, por fazer parte da diretoria da recém-fundada Associação Piauiense de Empresas de Rádio e Televisão, como se pode ler do documento:

No dia 28 OUT 87, foi criada, em TERESINA/PI, a ASSOCIAÇÃO PIAUIENSE DAS EMPRESAS DE RÁDIO E TELEVISÃO, sendo eleita, na ocasião, a sua primeira diretoria, assim composta:

Presidente: ELVIRA MENDES RAULINO DE OLIVEIRA (B1543180) (Z7)

Vice-Pres.: JOSÉ ALVES NUNES NETO (B0955267)(Z7)

1ª Secret.: TERESINHA DE JESUS BELCHIOR CAVALCANTE (SDQ)(Z7)

2º Secret.: JEFERSON ANTONIO DE ARAÚJO (SDQ)

1º Tesour.: ANTONIO SOARES BATISTA (B2528058)(Z7)

2º Tesour.: SEGISNANDO ANTONIO DE ALENCAR(B2109761) (Z7).

Dirigentes de sindicatos e associações profissionais, bem como de outros grupos que pudessem importar em interferência política nesse período, eram sempre acompanhados de perto pelo regime, mesmo na fase final, em que o Brasil já se preparava para a redemocratização, como se pode ver do documento que aponta a diretoria da então recém-criada associação.

Ainda depois do período do regime militar, Elvira continuou a fazer história na imprensa piauiense, e, em especial em Altos, com a sua rádio, tornando-se uma personagem da história da cidade praticamente elevada à categoria de patrimônio cultural de Altos.

Em 1996, já depois da redemocratização do Brasil, se candidata a prefeita do Município de Altos, município que chama de terra de seus antepassados da linhagem paterna. Não logrou êxito, mas nas eleições municipais do ano 2000, pela segunda vez a família Raulino se uniu à família Barbosa (a primeira vez tinha sido em 1988 com a chapa que tinha Roberto Gonçalves de Freitas Filho, como candidato a prefeito e Dona Lulinha Raulino, cunhada de Elvira (esposa de seu irmão Felipão) como candidata a vice-prefeita), seus rivais históricos na disputa pelo poder político em Altos, lançando chapa em que Elvira seria candidata a prefeita pelo PSDB, tendo como vice Antônio Francisco Gil Barbosa, do PMDB.

O resultado da união entre os grupos políticos tradicionais de Altos fez com que Elvira fosse eleita para uma administração na qual prometia ser a melhor prefeita do Brasil, elegendo-se com 8.038 votos, equivalente a 50,28% do total de votos válidos. As eleições de 2000 significaram um marco a partir da universalização do voto eletrônico, que permitiu maior rigor e celeridade ao pleito. Dentre suas obras, pode ser citada a criação da Guarda Municipal de Altos, com um contingente inicial de 23 guardas. Outras obras envolvem a promoção de eventos culturais e reforma de prédios públicos. Apesar do esforço Elvira não conseguiu ser "a melhor prefeita do Brasil", tanto que no pleito seguinte perdeu as eleições municipais.

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Publicidade eleitoral das eleições municipais de Altos no ano 2000. Fonte: Arquivo de Carlos Alberto Dias.

Elvira sempre se mostrou uma mulher à frente de seu tempo, que não se adequava ao padrão que a sociedade da época tentava impor às mulheres, mostrando um espírito livre e pioneiro, desempenhando um dos mais importantes papéis femininos do Piauí na segunda metade do século XX, justamente porque não aceitava ser limitada ou submissa a quem quer que fosse, bem como por amar e se envolver tanto na imprensa e em questões culturais, artísticas e esportivas daqueles tempos, quando a submissão das mulheres ao patriarcado ainda era fortemente institucionalizado, ela fugia à regra do gênero feminino, tanto que, na época da ditadura, mesmo sendo de família de direita, tradicionalmente apoiadora do regime militar, tanto que poderia ter sido presa naquele período por sua atitude desafiadora, em especial nos últimos anos do regime, o que, talvez, só não o foi, embora agindo de forma muito mais ofensiva ao regime (em seus últimos anos) que muitos que foram presos por muito menos, por pertencer a uma família altoense que representava uma das maiores oligarquias piauienses apoiadoras do regime, quando tinha primos deputados, inclusive na câmara federal, e amizade intensa com grandes apoiadores  do regime com força política federal, como Paulo Maluf.

Elvira, entre todos os prós e contras, quebrou vários tabus impostos às mulheres na época, e construiu uma trajetória pessoal que fez história em Altos e no Piauí, alcançando vitórias significativas e marcantes em sua vida, e, por vezes, algumas derrotas, mas, com certeza, será sempre lembrada por gerações, talvez mais que muitos de seus familiares, justamente por todos os feitos por ela protagonizados. 

Em 21 de setembro de 2024, Elvira Raulino completa 78 anos de vida. Altos comemorará seu aniversário com grande festa no calçadão da Praça Cônego Honório, a partir das 20 horas, na edição 2024 do show "Memórias da São José", festa que tem sido realizada há alguns na mesma data do antigo "Show da Rádio São José" e as atrações confirmadas para o evento nesse ano serão: Banda Triballes, Bob Robson, Forrozeiro Play, Yolanda e Banda, Matheus Raulino e DJ Márcio Ramiro. Também haverá um concurso de forró em que o vencedor será premiado com um pix.

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Atrações confirmadas para a quinta edição do "Memórias da São José", a se iniciar a partir das 20 horas do dia 21 de setembro de 2024, no calçadão da praça Cônego Honório, em Altos, Piauí.

O relato que trago aqui, contudo, é muito pouco para descrever a magnitude dessa diva altoense. Nesse 21 de setembro de 2024, depois de contar aqui um pouco da sua história, apenas desejo lhe parabenizar pela sua trajetória, pela sua vida, pelas suas lutas, quando agora completa 78 anos, e, encerrar lhe desejando muitos anos de vida, para que Deus nos abenços por muitos anos mais com sua presença em nosso meio. Obrigada por tudo Elvira Raulino!

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Alberto Tavares Silva (verbete). In: Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Alberto_Tavares_Silva>. Acesso em: 20 mai. 2024.

ALVES, Rosenira. Aniversário da colunista piauiense Elvira Raulino. Blog da Rosenira Alves, 21 set. 2014. Disponível em: <http://rozeniraalves.blogspot.com/2014/09/aniversario-da-colunista-piauiense.html>. Acesso em 20 mai. 2024.

ANDRADE, Juliana; PILAR, Vitória. Bernadete, Iwalma, Elvira, Amélia, Dirce e Josefina: piauienses com P de pioneiras. Lugar de Mulher, 07 mar. 2022. Disponível em: <https://oestadodopiaui.com/lugar-de-mulher/>. Acesso em 20 mai. 2024.

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SEGUEM EM ANEXO OS DOCUMENTOS QUE MOSTRAM QUE O REGIME MILITAR INVESTIGOU ELVIRA RAULINO

 

 

ANEXO 1

 

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ANEXO 2

 

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ANEXO 3

 

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